22 April, 2009

Estrada

Sigo.
Sempre em frente. Não posso parar. Não posso...

É sempre a mesma estrada. É sempre a mesma estrada que nunca mais acaba nem chega a lado nenhum. No princípio estava entusiasmada, curiosa. Corria por aqui fora, ansiosa de ver onde me levaria. Agora arrasto-me. Arrasto-me penosamente, os pés ardendo dentro dos sapatos em bico, a gravilha furando-me as solas. Não sei há quanto tempo caminho mas sinto as pálpebras pesadas e a garganta seca. Mas não posso parar.

Dentro de pouco tempo, mesmo que não chegue a lado nenhum, esta estrada vai deixar de ser sempre igual. Como quando se anda muito tempo no deserto. O calor, o cansaço e a desidratação vão tornar esta estrada numa alucinação. Dentro em breve o solo vai ondular-se, as bermas vão ficar distorcidas e a realidade vai ser o que o meu cérebro quiser.

O que foi dito e é verdade vai ser suplantado pelas acções dúbias que são mentira, os momentos de riso cruel vão-se tornar nas nossas gargalhadas sinceras, as certezas vão afastar os olhares indiferentes, a voz do Mundo vai calar a minha voz interior, e o filme vai começar do princípio para o fim em vez do contrário.

Quem me dera poder sair daqui, poder trocar de realidade, ao menos em fantasia, poder acreditar por um momento que algo talvez possa ser um pouco diferente, mesmo que não possa.
Quem me dera poder virar numa curva e descobrir a saída da estrada, em vez de andar em círculos e ir parar sempre à mesma encruzilhada deste labirinto. Gostava de poder voltar ao tempo em que as alucinações eram reais.

Qual cão de Pavlov, tocavam o sino a meio caminho e eu esquecia-me que a estrada não levava a lado nenhum. Chamam-lhe reflexo condicionado. Eu não tenho culpa. Treinaram-me assim. Convenceram-me que o efeito seria sempre o mesmo. Aquela campanhia, qual sino de santuário, fazia-me ficar segura, sonhadora, acreditando que aquela seria a vez em que encontraria o fim da estrada. Desta vez enganei-me. Estou imune à alucinação. Agora, ser evoluído pelo tempo, ouço a campainha mas já não caio na conversa. Já não sinto o efeito.
As campainhas são as mentiras da alma. São as tretas que nos contam para nos manterem estupidamente a percorrer uma estrada que não vai dar a lado nenhum. Para não nos deixarem desistir de uma missão estúpida e sem sentido que julgamos nobre. E rirem. Rirem muito.

Toca as campainhas que quiseres. Eu sei que esta estrada vai dar ao mesmo beco do costume.