25 October, 2012

Optimismo a.k.a. medo do desconhecido.


Uma vez li em qualquer lado que "mais vale ser pessimista e ter uma surpresa do que ser optimista e ter uma desilusão". Gosto mais de frases feitas, clichés e lugares-comuns do que me orgulho de admitir, e tenho que reconhecer que me fez imenso sentido quando li.
Estou habituada a que o pior que pode acontecer aconteça sempre. Por azares do passado, primeiro. Depois talvez por já estar à espera. Por não quer que me apanhassem de surpresa novamente e se ficassem a rir. Depois disso, por tudo bater certo. Eu era o underdog, o bobo da corte, o bode expiatório para o humor negro dos deuses. Não dei à vida muita margem de manobra, é certo. Houve umas quantas vezes em que me quis forçar a ser optimista, mas no fundo no fundo continuava sempre à espera da tempestade de merda que inevitavelmente iria acabar por acontecer. Balbuciava palavras bonitas, era hippie temporária (quando fumava erva acreditava mesmo, por umas horas, que daquela vez iria ser diferente, que o mundo era simples e belo e que eu é que tinha sido, até ali, demasiado burra - tão burra - para me aperceber disso. E depois voltava a cair de prédios ou penhascos, enquanto se riam a centímetros de mim sem me tentar agarrar a mão ou o cabelo, e via que tinha tido, afinal, sempre razão. Optimismo é para os parvos. Ou para os sortudos. Eu nunca me encaixei em nenhuma das categorias. Como raio me pude esquecer disso?

Não, não estou aqui a reafirmar isso. Pelo contrário. Estou aqui porque me lembrei dos únicos tempos em que consegui, de facto, ser optimista. Ser a sério. E de como tudo me corria ridiculamente bem nessa altura. Meti na cabeça que a vida é demasiado curta para nos agarrarmos a ressentimentos e traumas. O que, vejamos, não é mentira nenhuma. Mas meti isto na cabeça mesmo a sério, entrei numa de go with the flow, não penses demais, não te chateeies demasiado, etc. etc. Durou dois meses. Dois meses mágicos em que não pensei demasiado, não me atrofiei, e fui estupidamente feliz. De repente era a femme fatale por quem todos se apaixonavam perdidamente, e a amiga fenomenal e boa onda com quem toda a gente queria partilhar o seu tempo. A minha felicidade era o maior afrodisíaco do mundo. Lembro-me de parar para pensar, rir estúpida e maníacamente como se tivesse descoberto a pólvora - a minha - e me ter interrogado como poderia ter sido, durante tanto tempo, uma anulação de mim própria. Um rascunho mal feito. Uma sátira.

Toda esta história culminou com gajos à porrada. Os que se apaixonaram por mim. Sem me querer armar em importante, mas foi uma batalha campal. Que rapidamente se virou contra mim. Sua putinha arrogante, gostas de quem afinal? De ninguém? O quê? Então e os sorrisinhos e as gargalhadas espontâneas que nos fizeram apaixonar? O quê, estava só a tentar ser feliz. És uma cabra, chegas aqui armada em heartbreaker, fode-te. E depois foram todos juntos beber imperiais. E eu estúpida, mas que raio foi isto, não gosto de nenhum. Estava só a dançar e a abanar os cabelos ao vento e a tentar ser feliz... Ah. Ok, estava a ser eu própria. Se calhar é por isso que nunca se apaixonaram a sério por mim, porque fico toda estúpida e atrofiada quando gosto de alguém. E quando sou eu própria, quando estou à vontade, é porque não gosto de ninguém. Quando se gosta de alguém nunca se está à vontade. Somos deficientes. Mongos.

Quero ser optimista. Quero tanto. Mas como raio é isso possível, se sabemos que sendo nós próprios, flaws and all, nos arriscamos a dar cabo de (quase) todos - e só queríamos o quase.

Here I go again. Parvinha, optimista às risadinhas. If it turns to shit, at least I had a good run - again.

22 October, 2012

Becuase you deserve an Eulogy.

"Nevermind the rapture, we brought our parachutes."

Inspiração é, novamente, sinónimo de insónia. Ou talvez a primeira não seja senão a única forma relativamente sã de acabar com a última.
 
Talvez haja um limite para o número de pensamentos que conseguimos digerir sem que nos tirem o sono. Talvez precisemos de cuspir os que sobram, em vez de os ruminar incessantemente sem que se transformem em algo mais do que uma pasta nojenta e inabsorvível, como se fôssemos vacas defeituosas. Só temos um estômago, afinal.

Deixei-me de confessionários desde que deixei de acreditar em Deus, e quando voltei a acreditar - em algo - já não via sentido no propósito de me confessar a um padre que nunca me respondia nem me aconselhava, mas que se fazia Deus para me perdoar enquanto me julgava silenciosamente de sobrolho franzido, e insistia depois em me benzer com gestos teatrais, enquanto me agarrava os ombros e me espreitava para o decote, um quadro satírico a tanta coisa. Nunca contei os pecados por inteiro, não queria contar demasiado a um homem que teria certamente - tinha que ter - pecado mais do que eu.

Comecei a vomitar para o papel sempre que um qualquer turbilhão me toldava a mente e os olhos, numa tentativa de exorcizar demónios e pecados, de perceber melhor o que nunca consegui explicar a ninguém nem a mim própria. O quê? Qualquer coisa. O que sair. Porque, ainda que seja desordenada e desenfreadamente, é a única forma que tenho de conseguir ser crua antes de começar a tentar racionalizar tudo e perder o fio à meada. A pior parte de pensar demais é perdermo-nos em sidenotes e considerações, até nos esquecermos completamente do raciocínio que estávamos a ter e acabarmos com uma dor de cabeça monstra, numa confusão crescente e totalmente desnecessária.

Não consigo dormir a pensar num número ridículo de coisas ao mesmo tempo, o que obviamente faz com que não consiga chegar a nenhuma conclusão sobre nada. Não sei como nem porquê, voltei a lembrar-me do "A" escarlate e por consequência, de ti. O "A" já desapareceu há algum tempo, em virtude (engraçado, usar a palavra virtude na mesma frase em que falo do "A" escarlate) de sessões intensivas de laser e álcool, ou talvez simplesmente do Tempo e da sua borracha selectiva. Mas tu permaneces, algures num canto escuro, em morte cerebral, num quarto onde ninguém entra. Ocorreu-me que, apesar de já teres partido há muito, nunca te disse adeus. Nunca tive coragem de desligar as máquinas. Agarrei-me à convicção de que ainda não tinha sido desta, como não o foi de todas as outras vezes. Acreditei piamente que no momento em que voltasse a entrar para carregar no botão abririas os olhos e me agarrarias no pulso, e o ciclo começaria novamente, em loop, até novo coma. Dizer-te finalmente adeus é dizer adeus à segurança de não poder voltar a sofrer. Contigo tudo é fácil. Vazio e deprimente, mas fácil, ainda assim. Às vezes parece-me mais fácil arder em lume brando do que arriscar-me a poder consumir-me. Posso tentar convencer-me que ainda sou tão auto-destrutiva como tu, que ainda me contento com pequenos nadas, e que não posso alterar tudo isso, porque ainda não te consegui deixar ir. Mas não.

Não foi por falta de insistência. Voltei muitas vezes ao white room, na esperança de encontrar um qualquer resquício de ti, qualquer coisa que me permitisse enganar-me mais um pouco, mas já não é o que era. Já não tem a aura de mistério de antigamente. Agora tem pó e cinza por todo o lado e cheira a morte. Sempre cheirou a morte, aliás, mas antes cheirava a corridas de carros e tiroteios, e nós éramos para mim uma espécie de Bonnie e Clyde dos tempos modernos, e a nossa morte seria apenas a consequência natural de termos vivido no limite e depressa demais. Parecia algo glamouroso, em vez da idiotice que realmente era. Não sei se foi por teres entrado em coma ou por eu ter saído dele, mas deprime-me pensar como consegui ver como um lugar sagrado o que não passa de uma sala de chuto. Se lá voltar, está tudo exactamente igual, mas isso já não me conforta. As tuas palavras já não são coerentes, são ocas e mecânicas, como se estivesse a ouvir uma cassette com a mesma gravação em ambos os lados, over and over again. Já não rimos até cair, tu ris-te descontroladamente em êxtase psicotrópico, enquanto o meu coração se embrulha de pesar e perco as forças - sem cair no chão, mas quase. Os teus olhos tornaram-se baços, ou deixaram de ter o brilho dos meus reflectido. Quando me abraças a chorar e dizes que me amas segundos antes de caires num sono de doze horas, não é intenso e dramático, é uma tentativa desesperada de te agarrares à única tábua de salvação que ainda não se desfez. É tudo doentio, lúgubre e distorcido. Não sei se sempre foi. O amor é cego, não alucinogénico.

Queria tanto poder dizer-te adeus de outra forma. Queria ter-te salvo, eu e a minha mania de salvar quem não quer ser salvo. Eu e a minha mania de querer salvar toda a gente de si própria e esquecer-me de fazer o mesmo comigo. Às vezes ainda me tento convencer de que me afoguei contigo. Uma pequena parte de mim queria ter perdido as forças contigo, ao menos porque não me arriscaria agora a poder perdê-las de outra forma qualquer, noutra ilusão qualquer. Queria ter ido contigo, por lealdade, talvez também por medo de acabar por ter de ir sozinha, sabe-se lá quando. Mas por qualquer milagre ou maldição, sou mais resistente do que pensava, e a verdade é que escapei intacta. Apenas com uma cicatriz esbatida onde estava o "A". Estou pronta para outra. Ou quase. Faltava dizer-te (oficialmente) adeus.
 
Adeus.

Já tenho sono, finalmente. Coincidência ou não. Não vou pensar nisso.