31 March, 2010

For a Friend

Pode dizer-se que é por estas e por outras que és a minha melhor amiga (ups, logo eu que digo que não faço distinções... que se lixe). Porque podemos estar as duas trancadas em casa em penitência forçada a cortar simbolicamente os pulsos, mas ainda assim quando nos juntamos puxamos o lado mais saudável e mais optimista de cada uma.
Porque temos a mania de analisar tudo até à exaustão, de ver sinais que talvez nem sequer existam, de inventar teorias tão perfeitas que só poderiam falhar... Temos jeito para analisar as pessoas (teremos?), mas não temos jeito nenhum para nos analisarmos a nós próprias. Talvez porque tentamos fazer tudo como é suposto, não para ficar bem na fotografia, mas para ficarmos bem connosco próprias, e acabamos (quase) inevitavelmente por estragar tudo e torturarmo-nos por isso até ao fim dos tempos.
Não se pode pedir a alguém que sente demais para agir consoante as normas. Já deviam saber disso, e mal o deles (todos) se não o sabem. Não os podemos obrigar a saber como é ter um turbilhão de emoções cá dentro, mas podemos tentar fazê-los ver que é impossível contê-lo para além de certo ponto. Se tudo o resto falhar (e falhará de certeza), temo-nos uma à outra. E isso pode não ser o ideal, mas será o suficiente.
"I wish you a story with a happy ending... And the wisdom to look for it"

in My Sassy Girl, 2008

30 March, 2010

Mudança

Neste momento eu deveria estar naquele café, rodeada de velhos rebarbados dizendo obscenidades que eu não ouviria porque os licores beirão teriam já tornado as suas vozes num murmúrio incompreensível. Em vez disso estou aqui. Não é que a vontade não seja a mesma de outros tempos, não é que o aperto não seja assustadoramente semelhante.

Mas algo em mim mudou. Algo me impede de me afogar novamente. Talvez seja cansaço, falta de paciência e de força (é preciso ter força para perder as forças), falta de vontade para repetir o filme que teima em querer repetir-se, mas não pode sem o meu consentimento.

E não o tem. Há quem precise de mim, e não posso ser egoísta a ponto de me deixar morrer outra vez, porque ela precisa de mim e nunca morreria sem tentar salvar-me primeiro.

C

É como chegar ao fim do filme e não ter percebido nada.

Perguntamos aos outros o que acharam, e todos perceberam as mensagens subliminares e as (pseudo?)filosofias abstractas. E nós não. Entramos na conversa, jogamos para o ar meia dúzia de ideias pseudo-intelectualmente seguras, e pode ser que ninguém desenvolva o assunto e veja que realmente, não percebemos mesmo nada do que acabámos de ver.

Sim, não é de facto agradável sentirmo-nos burros no nosso círculo de intelectuais emproados. Também não é agradável admitir que só lhes chamamos emproados porque temos inveja. Queremos tanto fazer parte de algo. Mas não de um algo qualquer, só porque sim. Só pelo sentimento de pertença. Não. Queremos fazer parte de algo que amamos, algo em que sempre quisemos ser inegavelmente bons. Que fazer quando chegamos à conclusão de que talvez não sejamos? Admitir e sair pela porta dos fundos com umas orelhas de burro e a cabeça baixa, ou bater o pé e ver o filme 20 vezes, sem ninguém saber, até os estores se abrirem e virmos o que para os outros é óbvio?

Lembro-me de Mulholland Drive, talvez porque encaixa neste maldito turbilhão de coisas que não fazem sentido nenhum. Toda a gente percebeu o filme. Eu não. Nem à 1ª, nem à 2ª, nem sequer à 5ª vez. Disseram que o David Linch faz os filmes mesmo para ninguém perceber, mas os outros perceberam tudo. Ou se calhar fazem o mesmo que eu, fingem para ninguém saber que não fazem o mínimo sentido de nada daquilo. Talvez ninguém perceba nada de nada. Se calhar apelam à subjectividade de (quase tudo) para darem uma interpretação qualquer, só para haver alguma.
Mas talvez tenham percebido mesmo à 1ª, ou tenham visto o filme 20 vezes em casa antes de chegar lá. Cada um tem o seu ritmo, e não posso querer à força toda ser uma espécie de génio em abolutamente tudo. Muito menos em coisas abstractas.
Não é justo nem saudável compararmo-nos constantemente aos outros, muito menos quando fazemos questão de nos orgulharmos de ser diferentes. Mas podemos aprender alguma coisa com os outros. Podemos talvez deixar-nos de lamentos infrutíferos, deitarmo-nos com um balde de pipocas e recusarmo-nos a desistir enquanto não tivermos finalmente chegado lá.

Nem que seja à milésima vez.

Elementar, meu caro Watson

Não há crimes perfeitos, pelo simples facto de que nada é perfeito. Há crimes cuidadosamente pensados, pacientemente programados, minuciosamente efectuados. Há crimes que são uma dor de cabeça para qualquer detective, mas não há, repito, crimes perfeitos.

Há uns bons anos pensei seriamente em ser detective de homicídios. Não levei aquilo mais longe porque conhecendo-me como me conheço, não iria conseguir abstrair da parte gore da coisa. Além de que também não me apetece ficar insensível, o que acaba por ser quase inevitável e necessário à sobrevivência (ou ao menos à sanidade) nestes casos. Mas o bichinho continua cá dentro. Gosto de quebra-cabeças e, não é novidade nenhuma, gosto de casos complicados. E gosto de sentir a alegria das pessoas quando resolvemos problemas por elas.

Se ontem me pedissem para resolver aquele crime, eu estaria completamente clueless. Prestes a desistir, sentada a uma secretária com as costas doridas e os olhos pesados, sentindo-me frustrada e ligeiramente estúpida. Parte de ver o que os outros não veêm passa por um sentimento de auto-validação. É um desafio para nós próprios. Mas este crime transcendia tudo isso. Sim, havia algumas pontas soltas. Mas não levavam a lado nenhum. Sim, havia testemunhas. Mas não se se podiam ter preocupado menos com o sucedido, e passado tanto tempo, a memória estava já demasiado turva. Todas as informações eram contraditórias, e tinham a importância de um grão de areia. O principal suspeito era demasiado inteligente para dar um passo em falso, apsar de a linguagem corporal parecer por vezes incriminatória. O caso estava irremediavelmente perdido.

Pensava eu.

Hoje, precisamente no segundo em que admiti a derrota e me preparei para ir buscar uma caixa e arquivar o caso, tocam à porta. Correio. Um pacote. Vindo do nada, sem remetente, o pacote contém um único item. A prova derradeira e indubitável de como foi cometido o crime, porquê e por quem. O suspeito principal é de facto o autor do crime. E certamente não estava à espera de ser apanhado de forma tão flagrante e tão imprevista, como a que o pacote continha. Confiou demais na sua inteligência, o que parece ser o erro de muitos como ele. O meu coração dispara. Agora sei a verdade. Posso finalmente fechar os olhos e relaxar.

...Então porque é que não consigo?

Saber a verdade não me acalma como deveria. Tenho todas as provas e não sei que fazer com elas.

A propósito de nada.

Encontrei isto no baú. Não sei como, quando ou porque escrevi isto. Sei que gostei, e eu raramente gosto do que escrevo. Temas e presentes à parte, preciso de algo que me convença que vale a pena voltar a escrever.


Sarah voltou a acordar a meio da noite, com mais um pesadelo horrendo demais para descrever. Voltou a olhar para o tecto, para as constelações de estrelas de néon, e a interrogar-se porque nem os seus sonhos eram capazes de ser optimistas como só os sonhos podiam ser.
Às vezes pensava no que Richard tinha balbuciado segundos antes de morrer. Só perdemos verdadeiramente alguém se essa pessoa morrer. Se a pessoa estiver viva e pura e simplesmente escolher ignorar a nossa existência (e, pior, a nossa dor e as nossas lágrimas) valerá realmente a pena a penitência que lhe oferecemos?
Richard era uma daquelas pessoas cujo único propósito parece ser o de nos ensinar algo com a sua partida. Ele ensinara-lhe que nada está de facto perdido, até o estar pelas leis da física. Como podia ela continuar estupidamente a chorar por alguém que, para dizer a verdade nua e crua, nunca lhe tinha dado a mínima importância? Palavra dura e demasiado definitiva, esta. Nunca. Como podia ela sentir a alma embrulhar-se por alguém que a considerava aquela coisa dolorosa a que se chama “apenas mais uma”? Ela sabia a regra antropológica que todos sentimos, mesmo os outros que eram para ela iguais a nada. Todos queremos sentir-nos especiais. E mulher nenhuma quer ser apenas mais uma. Mas não nos podemos esquecer que todas essas, todas as “apenas mais uma(s)”, todas as “nada de especial” que nos precederam.. Queriam no fundo o mesmo que nós. E mereciam no fundo, exactamente o mesmo que nós merecíamos e não conseguimos. Queriam ser “aquela” e não “uma”. Resumamo-nos à insignificância que (não) temos. Tenhamos a coragem de ser apenas mais uma. Por muito que não sejamos.
O pior cego é aquele que não quer ver. Ou pelo menos é o que dizem.
Sarah sabe que não perde ninguém. Os cabrões ainda estão todos vivos. E se morreram… Apenas para ela.