30 March, 2010

A propósito de nada.

Encontrei isto no baú. Não sei como, quando ou porque escrevi isto. Sei que gostei, e eu raramente gosto do que escrevo. Temas e presentes à parte, preciso de algo que me convença que vale a pena voltar a escrever.


Sarah voltou a acordar a meio da noite, com mais um pesadelo horrendo demais para descrever. Voltou a olhar para o tecto, para as constelações de estrelas de néon, e a interrogar-se porque nem os seus sonhos eram capazes de ser optimistas como só os sonhos podiam ser.
Às vezes pensava no que Richard tinha balbuciado segundos antes de morrer. Só perdemos verdadeiramente alguém se essa pessoa morrer. Se a pessoa estiver viva e pura e simplesmente escolher ignorar a nossa existência (e, pior, a nossa dor e as nossas lágrimas) valerá realmente a pena a penitência que lhe oferecemos?
Richard era uma daquelas pessoas cujo único propósito parece ser o de nos ensinar algo com a sua partida. Ele ensinara-lhe que nada está de facto perdido, até o estar pelas leis da física. Como podia ela continuar estupidamente a chorar por alguém que, para dizer a verdade nua e crua, nunca lhe tinha dado a mínima importância? Palavra dura e demasiado definitiva, esta. Nunca. Como podia ela sentir a alma embrulhar-se por alguém que a considerava aquela coisa dolorosa a que se chama “apenas mais uma”? Ela sabia a regra antropológica que todos sentimos, mesmo os outros que eram para ela iguais a nada. Todos queremos sentir-nos especiais. E mulher nenhuma quer ser apenas mais uma. Mas não nos podemos esquecer que todas essas, todas as “apenas mais uma(s)”, todas as “nada de especial” que nos precederam.. Queriam no fundo o mesmo que nós. E mereciam no fundo, exactamente o mesmo que nós merecíamos e não conseguimos. Queriam ser “aquela” e não “uma”. Resumamo-nos à insignificância que (não) temos. Tenhamos a coragem de ser apenas mais uma. Por muito que não sejamos.
O pior cego é aquele que não quer ver. Ou pelo menos é o que dizem.
Sarah sabe que não perde ninguém. Os cabrões ainda estão todos vivos. E se morreram… Apenas para ela.

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